sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

The McCarthy Chronicles: Episode 1


Adventure Game Studio é uma ferramenta grátis que permite criar aventuras "point-and-click". Através desta interface, já foram lançados jogos como Ben There, Dan That e 5 Days a Stranger. Esteticamente, estes títulos assemelham-se às primeiras aventuras da Lucasarts e da Sierra On-Line, onde a baixa resolução e os puzzles de inventário reinam.

The McCarthy Chronicles segue esta linha, destacando-se pela sua atmosfera apaixonadamente noir. Um noir clássico, à la “The Big Sleep”, que segue milimetricamente as convenções do género. A título de exemplo, o jogo abre com o narrador-protagonista morto pronto a explicar a história por detrás do seu assassinato, remetendo-nos para Sunset Boulevard.

São escassos os exíguos truques utilizados pelo seu designer, Calin Leafshade, para solidificar a atmosfera arrepiante do jogo. No entanto, revelam-se extraordinariamente eficientes: uma belíssima palete a preto e branco, filtros de ruído na imagem, efeitos de chuva, banda sonora composta por reverberações de piano e guitarras pós-rock e um trabalho de voz decididamente opressivo.

O jogo é curto (cerca de uma hora) e os puzzles não apresentam nenhuma dificuldade. O principal objectivo do criador é contar uma história policial/fantástica bem escrita através de um género esquecido que parece estar a ser reanimado. Esperemos que os próximos episódios mantenham o mesmo nível de qualidade. Podem descarregá-lo grátis aqui.

3.5/5

Bionic Commando


Parece-me curioso que depois de terminar Bionic Commando fique com vontade de jogar Bionic Commando Rearmed – e não pelas melhores razões.

A Capcom tentou recriar o velho jogo da NES com a mais recente tecnologia gráfica e o resultado visual é espantoso. Mas ao baloiçarmos com o nosso braço metálico pelos cenários urbanos e industriais apercebemo-nos que o fazemos apenas por respeito à dedicação empregue na criação do mundo e não pela jogabilidade.

A história, mal contada (facto já intrínseco à maioria dos jogos de acção de elevado orçamento), serve de plataforma para uma experiência furiosa, mas quase sempre repetitiva e desequilibrada. Por cada meia-hora em que planamos entusiasticamente (o verme robótico e a sequência com os helicópteros, por exemplo), levamos com 3 horas de um sortido de desafios pouco variados e entediantes.

Os inimigos e as situações reaparecem, e o grau de dificuldade é amplificado apenas pelo número de robots e soldados no ecrã. Provavelmente, não ajudou o facto de o ter jogado em modo hard, mas para quem acha que Demon's Souls inclui os checkpoints mais imperdoáveis dos últimos tempos, aconselho a experimentarem os últimos níveis de Bionic Commando. Frustração não é uma palavra suficientemente forte.

Salvam-se, então, 2 ou 3 sequências inteiramente espectaculares, um final pouco risonho (incomum neste tipo de jogos) e a reinterpretação maximal das melodias 8-bit originais.

2.5/5

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Ilustração narrativa em Bayonetta




Ando a jogar Bayonetta e apercebi-me que, durante a apresentação da história (vulgo cutscenes), prefiro-o estático. Passo a explicar. O intrincado e enigmático enredo é desembrulhado através de longas sequências que poderiam ter saído do teatro militar de Metal Gear Solid. Num abrir e fechar de olhos, entram e saem personagens do palco, numa montagem frenética de eventos que terminam invariavelmente  num par de minutos de acção explosiva bem coreografada.

No entanto, esta exposição é intercalada por um novo molde. Frequentemente, a acção, sempre processada em tempo real, é capturada num único frame em que apenas a câmara tem acesso ao movimento. Desenganem-se imediatamente os que pensam que se trata de uma espécie de efeito “Matrix”. Trata-se de uma opção estética que se aproxima mais da banda desenhada. Sucedem-se pequenas capturas inseridas numa película virtual em que a faixa sonora é reproduzida ininterruptamente. As personagens congeladas, como numa ilustração, ganham um poder figurativo. E é aqui que o jogo sai beneficiado, evitando o indesejado “uncanny valley”.

Por muito dinheiro e talento que se possa gastar em tecnologia motion capture e em motores 3D, é extremamente difícil (e aqui excluo grande parte dos filmes de animação 3D) convencer o jogador/espectador de que as personagens digitais possuem um carácter humano. Aliás, o efeito parece-me poder ser o inverso. Quantos mais pormenores de comportamento e detalhes fisionómicos animados são injectados, mais evidente é a inexistência humana. No pior do casos, o jogador, distraído pela parafernália tecnológica, passa a concentrar-se nos artifícios, abstraindo-se da componente narrativa. O jogo, com o impulso de querer mostrar tudo, perde a subtileza e anula o lugar para a imaginação.

Não quer isto dizer que não há espaço para a animação 3D, longe disso. Apenas me parece que, quando confrontada com outros modelos de exposição, às vezes sai a perder.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Fatale



Look at the moon. How strange the moon seems! She is like a woman rising from a tomb. She is like a dead woman. One might fancy she was looking for dead things.

Oscar Wilde escreveu a peça Salomé em 1891. Nesta versão da história evangelista, Salomé, filha de Herodíade e Herodes Antipas, desenvolve uma atracção mórbida por João Baptista, que continuamente acusa de incestuosa a relação dos pais de Salomé. João Baptista, depois de permanecer fechado numa cisterna durante um longo período de tempo, acaba decapitado por Herodes, a pedido de Salomé.

É precisamente na cisterna que começa Fatale. Como João Baptista, ouvimos uma interpretação da dança dos sete véus e vislumbramos Salomé  na dança com que conquista o coração de Herodes, levando-o a acabar com a vida de João Baptista. Os três actos de Fatale, mais próximos de uma instalação artística do que de um conceito normalizado de “jogo”, permitem-nos presenciar e descobrir a peça. A experiência é construída através de pequenos detalhes e rituais, e é completamente original na utilização deste meio.

Parece-me imprescindível a leitura da obra para uma análise correcta da forte carga simbólica de Fatale, pontuada por um desconcertante anacronismo semelhante a elementos da filmografia de Derek Jarman. Todavia, é possível apreciar esta instalação/jogo tendo como únicos referentes a sua intocável direcção artística e design de som. Os modelos das personagens, criados por Takayoshi Sato (Silent Hill 2), são arrepiantes na sua transparência emocional e a música de Gerry de Mol para a dança dos sete véus, longe dos motivos líricos de Richard Strauss, injecta um crescendo percussivo importante para a sequência.



Pena que os artistas da Tale of Tales não tenham os recursos e know-how para optimizar o motor 3D de Fatale. Consequentemente, nem a mais potente máquina consegue comportar os planos mais exigentes, resultando numa experiência desiquilibrada na sua fluidez. Sugestão: é preferível optar pela configuração gráfica de “simple” ou “good” a baixar de resolução.

Apesar das limitações técnicas, Fatale responde ao meu secreto desejo de ver o formato de jogo  caminhar para algo que ultrapassa ideias primitivas de “gameplay” ou “mecânica”. Uma experiência liminarmente original, erudita e com o potencial para abrir portas até agora dogmaticamente fechadas.

3.5/5

Trauma (previsão)



Trauma conta a história de uma jovem mulher que sobrevive a um acidente de viação. Em recuperação no hospital, tem sonhos que revelam diferentes aspectos da sua identidade - por exemplo, a forma como gere a perda dos pais. Trauma permite ao jogador experienciar estes sonhos de uma forma interactiva, semelhante às aventuras gráficas. No entanto, acaba por inovar esta fórmula consagrada, introduzindo uma interface baseada em movimentos, tecnologia 3D em tempo real para um layout dinâmico dos níveis, imagens fotográficas singulares e uma filosofia de design de níveis que incide na criação de uma experiência completa, por oposição ao limitado desafio de um puzzle elaborado. Apresentando uma história pouco convencional, tem como objectivo ser um jogo compacto e profundo destinado a um público adulto e literato.

Traduzido a partir da página oficial do projecto

domingo, 3 de janeiro de 2010

Dragon Age: Origins



Os RPGs ocidentais (WRPGs) conseguiram, nos últimos anos, destronar os seus homólogos nipónicos. Há vários factores relativamente menores que estão na origem desta nova tendência: certos detalhes estéticos e narrativos, uma ausência de títulos inovadores vindos do Japão e, talvez, um perigoso patriotismo ocidental que tem vindo a afastar os consumidores da cultura japonesa. No entanto, não podemos esquecer o mais importante: a qualidade geral dos WRPGs tem aumentado substancialmente e Dragon Age: Origins confirma-o.

Apesar de, à superfície, parecer uma cópia redundante do universo de fantasia de O Senhor dos Anéis e da estrutura de Baldur's Gate, a profundidade da interacção entre personagens e a mestria da Bioware em saber contar histórias transformam o título numa experiência obrigatória para aqueles que gostam de se perder num bom guião, mesmo quando, esporadicamente, ficamos com a sensação de estar a assistir a uma soap-opera com elfos. A narrativa, melindrosamente escrita, esconde vários segredos e “twists” e surpreenderá, inclusive, o jogador mais atento.

A premissa é simples e serve apenas de tapete para uma intenção superior que se prende com a apresentação e desenvolvimento de personagens. O reino de Ferelden foi invadido por um exército de criaturas maléficas e o jogador terá de reunir as diferentes facções residentes numa luta épica contra o inimigo (sim, o título do jogo deixa adivinhar um poderoso dragão como boss final).

As características do role-playing são similares a títulos anteriores da Bioware e possibilitam uma personalização total do protagonista. De igual forma, as diferentes decisões tomadas pelo jogador influenciam o universo do jogo e, consequentemente, a sua resolução. O génio, no entanto, reside nos pequenos pormenores. Por exemplo, é fácil convencer uma personagem a acompanhar o jogador nesta missão mas, de igual modo, esta pode abandonar o grupo devido ao comportamento moral do líder. Todas as decisões têm uma repercussão que abandona o lugar-comum da dicotomia entre bom e mau.



DAO, infelizmente, não se faz só de diálogos jocosos e personagens construídas com profundidade. O combate, pelo menos na versão para consola, é a parte menos conseguida do jogo. É possível definir tácticas para personagens específicas e pausar o jogo para aplicar poções e comandar o grupo, mas no meio da acção mais frenética, é comum ver os nossos feiticeiros e guerreiros perplexos com a salgalhada em que estão metidos. Ao jogador, igualmente desnorteado, só resta restaurar incessantemente a energia dos membros do grupo e torcer para que tudo acabe rápido e bem.

Contudo, não nos deixemos desapontar pela luta. DAO apresenta um argumento adulto, exemplarmente construído, que evita contornos sexistas e homofóbicos habituais nos jogos de vídeo e respectiva comunidade. A quantidade de informação disponível sobre o reino de Ferelden e os seus habitantes é numerosa e bem delineada. Foi com todo o prazer que dediquei 50 horas a DAO. Voltarei à magia de Ferelden assim que for publicado novo DLC.

4.5/5

Machinarium



Machinarium é o tipo de jogo que, com um único screenshot, consegue promover a eterna discussão sobre a possibilidade de os jogos serem considerados arte. Quando uma variedade de aspectos artísticos converge coerente e convincentemente num trabalho deste tipo, é impossível evitar esta questão – e qualquer pessoa sensível a pormenores de ilustração, animação, design de som e música responderá de forma positiva. Independentemente do currículo do jogador, é também o tipo de trabalho que pela criatividade empregue na sua realização tem o poder de comover profundamente.

Conduzidos pelos fundos, itens e personagens desenhados à mão, lembramo-nos do trabalho visual de Nicolas de Crécy e do melancólico humor slapstick de Buster Keaton. A banda sonora, de Tomas Dvorak, altamente influenciada por artistas da Warp Records, revela texturas dignas de uns Plaid, assim como detalhes glitch associados ao legado de Aphex Twin.

Para interagir com este mundo belíssimo e sedutor, é utilizada uma interface típica das aventuras gráficas dos anos 90. Clique, clique, clique – e o nosso adorável robot descortina-nos a sua história enquanto o ajudamos com puzzles inteligentes e bem integrados na narrativa. No caso de dúvida ou empanque, podem ser utilizados dois sistemas de ajuda. Um deles é um pequeno jogo em si mesmo (talvez para desmoralizar o jogador mais preguiçoso, obrigando-o a racionalizar um pouco mais) em que a solução é apresentada deliciosamente em forma de comic-book. É de louvar esta inclusão, uma vez que evita o recurso a gamefaqs que acabariam por interromper a imersão proporcionada pelo jogo.



Jakub Dvorsky, lead designer de Machinarium, refere Myst e Grim Fandango como obras influentes no seu trabalho, mas é impossível esquecermo-nos de Eric Chahi e dos seus Another World e Heart of Darkness. O isolamento, ausência de diálogo e desamparo num mundo que não é o nosso estão igualmente presentes. Todavia, é excluído o factor de perigo dos títulos de Chachi, aqui substituído por uma atribulada ternura.

Os artistas, designers e programadores da Amanita Design mostram-nos que não são precisos motores 3D de tecnologia de ponta para emocionar e envolver o jogador. Basta a linguagem Flash, dedicação e bom gosto. Experienciar Machinarium não é muito diferente de ver uma metragem de animação de qualidade no Cinanima ou de ler banda desenhada independente. Apenas difere no elemento de interactividade e, pessoalmente, só ganhamos com isso.

Para responder à incontornável pergunta do primeiro parágrafo, “Sim, Machinarium é arte”.

5/5
Podem comprá-lo aqui por uns simbólicos 14 euros.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Cultura e Jogos de Vídeo


Bem-vindo.

Neste espaço, poderá encontrar análises e impressões sobre o universo dos jogos de vídeo, sempre de uma perspectiva exterior ao círculo mainstream. Nunca são demais os blogs que têm como principal intenção elevar a arte dos jogos de vídeo para um nível onde se possam originar impressões adultas sobre um veículo que rápida e indelevelmente se integra na cultura mundial.

Trata-se, então, de apenas mais um blog numa teia de críticos caseiros que vê os jogos como uma possibilidade que ultrapassa o puro divertimento, proporcionando um impacto emocional associado ao conceito mais cru de arte.

Vemo-nos por aqui.