quarta-feira, 17 de março de 2010

Bioshock 2


E o prémio para o jogo mais supérfluo do ano vai para Bioshock 2!

Na ânsia de larapiar as nossas carteiras, a 2K resolveu escravizar a assombrosa cidade de Rapture em nome das suas próprias reservas de capital - Rapture devia ter sido uma experiência única, caríssimos senhores de fato da 2K.

Toda a admirável delicadeza deste mundo sai evaporada e desmistificada com uma nova visita. É tudo um interminável déjà vu. Sim, claro, podem-se contar mais histórias lá dentro – uau, agora somos um Big Daddy e podemos fazer escolhas que influenciam o final do jogo, ena -, mas ao fazê-lo estamos a desvirtuar a identidade da cidade. É como usar Xanadu para fazer um filme sobre, hum, a história do mordomo de Kane.

E estava receptivo, a sério. Cheguei a pensar que esta desculpa-para-fazer-mais-dinheiro poderia estar ao nível da saga Metroid Prime, por exemplo, que me apaixonou nos seus três capítulos. Mas não, meus caros, não. Façamos o seguinte exercício. Tentem imaginar que o Jonathan Blow resolvia fazer um Braid 2. Doloroso, não é? Pois é, Bioshock 2 é Braid 2.

Mas tem um ponto a favor: o multiplayer (e nem nas minhas mais loucas fantasias sobre este jogo imaginaria escrever isto). Com um sistema de ranking do tipo Killzone 2/Modern Warfare 2 (o meu Word acabou de me avisar, com uma janela, que ultrapassei o número de 2 permitidos por 300 palavras de texto), a componente multijogador de Biocash 2 (aviso sonoro!) disponibiliza várias personagens a lutar na guerra civil de Rapture. Cada uma delas tem um background eventivo e uma personalidade bem montada, e tiro a tiro são-nos reveladas pequenas particularidades sobre cada uma delas. O texto que exclamam durante a acção é delirante e, acreditem, é mesmo um gozo participar nesta experiência fabricada pela Sinclair Solutions para testar armas e plasmids.

Podiam ter descartado o single-player e ter vendido o multiplayer a 20 euros – Bioshock: Civil War. Uma alternativa aceitável.

2/5

segunda-feira, 15 de março de 2010

Boas notícias para pessoas que adoram más notícias

Às vezes, a cultura dos jogos de vídeo não se faz apenas de notícias desanimadoras. Para contrabalançar a análise tragicamente realista do Rui, resolvi resumir numa lista de tópicos o que considero ser um período bastante decente que se aproxima a passos largos:


  •  Limbo e The Misadventures of P. B. Winterbottom partilham uma sensibilidade estética distinta e apurada, assim como um gosto por conceitos de gameplay, digamos, cerebrais.


  •  Os carismáticos Sam and Max voltam para uma terceira temporada com The Devil’s Playhouse e prometem homenagear os episódios da Quinta Dimensão com o seu típico humor desvairado, escrito com muita sagacidade.


  • L.A. Noire que, numa primeira instância, parecia ser mais um clone redundante de GTA, pode vir a ser uma experiência de época muito interessante na forma como captura o molde dos policiais hard-boiled. Apesar de os criadores já terem afirmado que não se trata de um jogo de aventura, espero que haja bom senso e o produto final consiga apresentar uma harmonia saudável entre a acção e o trabalho de detective mais cadenciado.


  • O mítico The Path, para celebrar o seu primeiro aniversário, será relançado numa versão especial em USB acompanhado de making of, traduções actualizadas, entrevistas e detalhes sobre a banda sonora.


  • 3D Dot Game Heroes, um exercício de estilo vanguardista que simetriza o Legend of Zelda da NES (assim como Van Sant replicou em forma de instalação artística, incompreendida, o Psycho do Hitchcock [e sempre que comparo filmes e jogos sai disparate]), irá com certeza fazer delirar os fãs da série e os desejosos de sensações 8-bit experimentais – e já tem versão europeia. O facto de ser criado pela From Software, que lançou o ano passado o fabuloso e austero Demon’s Souls (e sempre que penso neste título chego à conclusão que é dos melhores jogos que joguei nos últimos anos), garante, quase sem dúvida, excepcionalidade.
Com vêem, nem só de óbitos tristes se faz o mundo dos jogos. Continua a haver esperança – e Heavy Rain já vendeu 700 000 cópias.

domingo, 7 de março de 2010

Heavy Rain

Sou um idiota.

Na nervosa ansiedade de querer descortinar minúsculos e irrelevantes detalhes sobre Heavy Rain, através de notícias, vídeos e reacções, acabei por levar um tiro como espectador/jogador. Algures no Youtube, um comentador escreve maldosamente “Deus, não acredito que _____________ é o assassino do Origami”. E o meu mundo desaba. Depois de Omikron e Indigo Prophecy me terem tornado numa espécie de fã de David Cage, caí no erro de desrespeitar o mistério do seu último thriller

Sendo um amante de policiais, na tela ou no papel, não há maior pecado do que começar uma aventura deste tipo a conhecer a identidade do criminoso. No entanto, nas melhores explorações do género, o importante acaba por não ser o whodunnit, mas sim a viagem até lá chegarmos – e Heavy Rain é, quase sempre, magnificente na apresentação do seu mundo. Cage não me aplicou pena capital por ser um idiota.

O primeiro capítulo, que pode parecer um tutorial da sua mecânica, encerra várias características que associo às melhores aventuras: não-linearidade de exploração, espaços e momentos contemplativos, lugar para a hesitação quotidiana e, numa indústria que aposta em dirigir de forma castradora o jogador, uma reconfortante incerteza sobre o que fazer. Terminado o parágrafo introdutório, e depois de uma sequência emocionalmente avassaladora, o jogo entra na intriga policial e revela duas influências centrais: o filme Seven nos melhores pormenores estéticos (Saw nos piores) e o jogo Blade Runner de 1997 nos códigos noir e na liberdade narrativa.

Apesar de a intriga se mover terminantemente em direcção à sua resolução, Cage pontua todas as áreas do jogo com parêntesis espaciais que possibilitam a reflexão sobre as personagens e o respectivo ambiente. Assim, é-nos dado tempo para admirarmos a densa atmosfera criada.


Todavia, Heavy Rain não vive apenas de silêncios e de planos lânguidos inspirados pela obra de Edward Hopper. Suceder-se-ão vários confrontos e sequências de perseguição que irão testar os reflexos e nervos do jogador. O incumprimento do “input” exigido não termina o jogo, e a história continua de forma elegantemente consecutiva, mesmo se com alguns problemas estruturais: por exemplo, das personagens, sentimos que não sabemos o suficiente para que nos despertem um interesse genuíno, uma vez que reagem apenas às situações-limite a que são expostas, falhando na materialização de uma identidade particular; e a escrita, pontualmente competente, nunca excede a qualidade dos diálogos que poderíamos encontrar no mais banal dos thrillers de série B.

Mas Heavy Rain não é um filme. É um jogo. E é nessa dimensão que brilha como experiência íntima e comovente, visualmente revolucionária. Cage prefere que Heavy Rain seja jogado apenas uma vez. Entendo-o. É a única forma de o personalizar. Mas aconselho a que vejam outra pessoa a fazê-lo. Ficarão surpreendidos com a profundidade que foi aplicada à construção de hipóteses.

4.5/5